sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Discurso de Formatura

Abro um pequeno parêntese para publicar aqui o discurso que proferi em minha formatura, em 2006.


Em primeiro lugar quero agradecer a presença de todos vocês nesse momento que é tão especial para nós, formandos. Uma vez que nesta solenidade se dá o término de uma batalha já conquistada e o início de outra que nos acompanhará por toda a vida.

Eu poderia usufruir desse momento falando sobre as dificuldades que nós enfrentamos nesses anos de universidade: as noites mal dormidas, os trabalhos, seminários, artigos, leituras, pesquisas, ônibus lotados, greves, provas, as gastrites, dores de cabeças, estresse gerados pela leve cobrança de nossos mestres, as aventuras no intrincado mundo do sistema de matriculas da UFPI... enfim... são tantas situações enfrentadas que nesse final fica a impressão de que somos deuses por termos vencido. Mas na verdade, tudo isso faz parte da vida de quem está realizando o sonho do curso superior. E querem saber? Valeu muito a pena passar por cada uma dessas pequenas tribulações. Pois foram elas que nos fizeram crescer como pessoas responsáveis e nos moldaram como profissionais capazes no ensino e na pesquisa. Mas não vou me deter nisso.

Eu poderia então lhes contar dos problemas da Universidade Pública, que sabemos: são vários. Mas isso seria injusto com a instituição. E também com os mestres aqui presentes, pois eles são os maiores exemplos de que, apesar da irresponsabilidade política, lutar pela educação pública continua sendo um trabalho valioso para todos. E nós estamos aqui hoje para confirmar isso.

Portanto, eu peço licença para, nesta noite, emitir não um discurso afetado, mas uma pergunta sobre a qual devemos sempre refletir. Por que e para que ser professor? Não tentem responder agora, formandos, será em vão. Essa é uma resposta que só o tempo e a experiência nos mostrarão.

Cada um de nós teve um motivo para escolher esse curso. Certamente o motivo: ser muito rico não está entre eles, claro. O meu, particularmente, foi ideológico: sempre acreditei, desde cedo, que só a educação, em todos os níveis, pode salvar um país do atraso social, político e econômico. Eu confesso: achava que seria mais fácil. Claro que estava enganada, só não imaginava o quanto. Como é difícil ser professor no Brasil! Além dos baixos salários e falta de reconhecimento, temos que exercer, muitas vezes, o papel de pai, mãe, psicólogo, orientador e até de médico. Ao longo de todo esse tempo de curso, aprendemos que ser professor é muito mais do que ir a uma sala de aula e derramar conteúdo. Ser professor é encontrar pelo corredor com cada aluno, olhar para ele sorrindo, e se possível, chamando-o pelo nome para que ele se sinta especial. É envolver-se com seus alunos nos mínimos detalhes, vislumbrando quem está mais alegre ou mais triste, quem cortou os cabelos, quem passou a usar óculos, quem está preocupado ou tranqüilo demais, dando-lhe a atenção necessária. Ser professor é equilibrar-se entre três turnos de trabalho e tentar manter o humor e a competência para que o último turno não fique prejudicado. É acompanhar as lutas do seu tempo pelo salário mais digno, por melhores condições de trabalho, por melhores ambientes físicos, sem misturar e confundir jamais essas lutas com o respeito e com o fazer junto ao aluno.Ser professor é sentir-se responsável pelas mentes em formação que se apresentam diariamente diante de nós.E principalmente, é muitas vezes ter que dar aos seus alunos a educação que eles deveriam trazer de casa, mas não o fazem por causa de pais omissos que delegam À escola e à televisão a responsabilidade de lapidar o caráter de seus filhos.Mais especificamente, ser professor de português é lutar contra o péssimo hábito brasileiro de dar as costas à boa leitura, boa música, bons filmes, bons espetáculos para abraçar qualquer novo vento de escrita apelativa, batida dançante, RBD e companhia. É engolir a seco as pesquisas que falam da diminuição do analfabetismo no país sem considerar que nossos alunos não conseguem, muitas vezes, (mais do que vocês imaginam) escrever três a cinco períodos, mantendo uma mensagem, no mínimo coerente.

Apesar de sabermos que estamos aqui hoje oficializando a constatação de que estes formandos estão preparados para seguir e lutar esse combate, nós não podemos deixar de sentir uma certa angústia, uma vez que o resultado de nosso trabalho sempre será afetado pelo acontece na intimidade do lar de nosso aluno e pelas políticas econômicas e sociais do país.

Meus colegas, em nossa profissão não há espaço para milagres, como na medicina, por exemplo, na qual um paciente em situação de desengano total, pode, de repente, achar-se curado. Para nós, tudo é fruto de muito trabalho. Trabalho com o aluno, com a escola, com as práticas pedagógicas, com os pais, com a sociedade. O caminho não é fácil... mas prefiro as palavras de Mário Quintana quando diz: “Se as coisa são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!”

A educação é nosso ideal e não devemos esquecê-la, pois quem abandona idéias por causa de dificuldades, para de ensinar a ter esperança no futuro.

Nossa maior preocupação, como professores de língua, deve ser a leitura. Descobrir que é possível viajar para lugares, épocas e situações inusitadas sem sair do lugar, através da palavra, é, para todo ser humano, o início da caminhada rumo ao conhecimento, quiçá, à sabedoria. O processo é longo e contínuo. Deve ser objetivo de cada um de vocês fazer com que ele não termine nunca. Formar leitores competentes e críticos requer muito esforço e é essencial para a humanidade. Conhecer para transformar.

E nesse momento eu abro um parêntese para falar daqueles que nos acompanharam e ajudaram. Primeiro a Deus, porque sem Ele nada podemos fazer. Sequer estaríamos aqui.

De todo o coração, um enorme muito obrigada aos pais e responsáveis. Vocês fizeram um ótimo trabalho, olhem para cada um desses rostos aqui e colham o fruto do esforço exercido ao longo de anos. Nós agradecemos a vocês por todas as oportunidades, apesar de sabermos que nenhuma palavra pode expressar o cuidado e o zelo de uma vida inteira. Obrigada por terem nos feito acordar tão cedo para ir à escola, por terem suportado o nosso choro no primeiro dia de aula, pela repreensão quando surgiam as notas baixas, obrigada por ter nos feito voltar e pedir desculpas ao coleguinha por alguma atitude errada que tivemos, obrigada por ter ido conversar com o diretor da escola para que ele não nos barrasse no portão por causa da mensalidade atrasada ou por terem esperado horas a fio, em filas, para nos garantir uma vaga na escola pública. Vocês deveriam estar sentados aqui ao nosso lado hoje e receberem também um diploma.

Aos nossos professores... uau... quantas emoções hein? Sem retórica nenhuma... preciso dizer: que time! Muitas vezes, se alguém me contemplasse da porta, veria uma pessoa boquiaberta, sem piscar, pois no íntimo eu considerava comigo mesma o seguinte: Caraca... como é que essa pessoa sabe tanto? E enquanto dizia isso, sentia crescer em mim uma sede imensa pelo saber e sei que o mesmo aconteceu com os meus colegas formandos. Mas uma coisa é certa... enquanto vocês nos instigavam ao conhecimento, nós observávamos cada gesto dentro e fora de sala. E são observações que semearam mudanças em nosso caráter, como pessoas e profissionais.

Estarão firmados para sempre em nossa memória momentos como: a célebre posição do prof. Airton, diante das vidraças que dão para os verdes campos da UFPI, onde permanecia, por minutos, em silêncio e com ele a turma, respeitando o seu momento de pensador, pois sabíamos que assim que ele voltasse do passeio filosófico, ganharíamos muito com suas palavras. Prof.ª Jasmine e sua vida multifacetada: mulher, esposa, mãe e profissional preparadíssima, sempre solícita aos alunos com seu carisma singular. A persistência heróica do prof. Fabiano, que se empenha em manter vivo o estudo da literatura piauiense dentro da UFPI. Inesquecível será para sempre a imagem do prof. Josenir, que vai virar lenda, podem apostar, nos corredores conversando-ensinando sempre de um jeito tão especial que a gente nem se dava conta do quanto estava aprendendo entre todos aqueles risos descompromissados. Como não se orgulhar da conquista de nossa Universidade ao abrir o mestrado em Letras? E à frente dele, profª. Auxiliadora, com quem, mais do que conteúdo, aprendi que devemos fazer tudo e mais um pouco por aqueles em quem acreditamos. Obrigada por ter acreditado em mim, professora, eu não vou esquecer. E enquanto na UFPI, muitos professores estavam concentradíssimos em seus conteúdos... havia uma sala na qual a aula já começava em ritmo de festa. Quem foi aluno de Glória Ferro, certamente não conseguirá apagar da mente sua energia, seu sorriso aberto e sua competência. O olhar certeiro da prof. Socorro Fernandes, que sempre nos achava lá no canto da sala. E apesar do susto inicial, era sempre bom ser lembrado por ela e chamado a participar da aula.

Prof. Antônio Ribeiro, João Bemvindo, Profª. Solange e Samantha, infelizmente não passei por vocês em sala de aula, mas pude ter uma certa experiência com cada um, de forma diferente e posso falar da solicitude do Prof. Antônio sempre que precisei dele, da amizade do Prof. Benvindo nascida em uma viagem e alimentada nos corredores da UFPI. Posso falar da enorme capacidade, preparação e conhecimento da professora Samantha, uma vez que cheguei a ter duas semanas de aula com ela e tive que deixar a disciplina por conta de problemas no horário. Profª Solange que, mesmo sem ter sido sua aluna, pude conhecer a sua imensa vontade em fazer tudo da melhor forma possível e beirando o impossível na coordenação e no departamento de Letras.

Enfim, agora só queremos festejar esse momento único, agradecer as oportunidades e dizer, parafraseando Fernando Pessoa, que tudo valeu a pena, pois nossas almas nada têm de pequena.

Obrigada.

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