sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Usos do Pretérito Perfeito e Imperfeito no Português Falado por Teresinenses

Projeto de Pesquisa desenvolvido em 2004 quando fui bolsista do PIBIC (Programa de Bolsa de Iniciação Científica) pela UFPI, sob orientação da professora doutora Maria Auxiliadora Ferreira Lima.


INTRODUÇÃO

Neste relatório procuramos mostrar as conclusões da pesquisa <<>>. Esta analisa a realização do tempo verbal situado como anterior ao momento da enunciação expresso pelas manifestações dos pretéritos perfeito e imperfeito do indicativo em produções lingüísticas orais. Trata dos usos temporais e aspectuais dessas formas verbais na fala de teresinenses que cursam as últimas séries do ensino fundamental (4ª e 8ª) e do ensino médio (3ª) detectados nos dados coletados. Esses dados nos proporcionarão uma visualização das condições de uso desses respectivos tempos por falantes que estão em contato com o ensino formal do emprego dessas formas verbais.

Neste relatório apresentamos uma exposição de nossos objetivos e o modo como a pesquisa se concretizou, os resultados adquiridos e as conclusões.

Mostraremos como resultados a quantificação das ocorrências levantadas e teceremos considerações referentes às observações dos dados sustentadas em teorias de estudiosos da área. Este relatório contém ainda uma comparação do programa inicial com tudo o que foi possível de se efetuar, trazendo informações sobre o que mudou e o que não foi realizado. Fazemos também um breve comentário sobre algumas leituras realizadas destacando a contribuição das mesmas para o direcionamento da pesquisa.


OBJETIVOS

A pesquisa tem como objetivo analisar aspectos da gramática do português falado por teresinenses que se encontram nas últimas séries do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Estabelecer um quadro das formas verbais utilizadas no pretérito perfeito e imperfeito do indicativo, tendo em vista o tipo de gênero textual em que se manifestam as ocorrências, identificar os usos semânticos das ocorrências verbais utilizadas no pretérito perfeito e imperfeito do indicativo; estabelecer um quadro comparativo das semelhanças e diferenças que marcam o uso das ocorrências verbais no pretérito perfeito e imperfeito do indicativo na fala dos alunos de escolas da rede pública e privada, considerando a variável nível de escolaridade (4º e 8º séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio) e identificar as marcas de aspectualidade nas formas verbais do pretérito perfeito e do imperfeito do indicativo.

Com os resultados desse estudo, obter-se-á um quadro dos reais usos do pretérito perfeito e imperfeito do indicativo e um banco de dados lingüísticos que representem efetivamente aspectos da gramática do português falado por teresinenses que se encontram em processo de aprendizagem do ensino formal da gramática.


METODOLOGIA

Esta pesquisa faz parte de um projeto-núcleo que tem como um dos objetivos básicos a descrição de aspectos da gramática do português falado por teresinenses. Trata-se de uma pesquisa de natureza investigativa que requer a construção de um “corpora”, ou seja, de um conjunto de dados lingüísticos textuais,originários da amostra da produção lingüística oral de um conjunto de informantes.

Assim, para o desenvolvimento dessa pesquisa estamos fazendo uso do “corpora” do projeto-núcleo que está sendo constituído através das gravações (em andamento) da fala de 96 informantes, alunos da 4º e 8º séries do Ensino Fundamental e da 3º série do Ensino Médio. As gravações estão sendo feitas em 4 escolas da rede pública e 4 da rede privada. De cada escola está sendo realizada, por série, uma gravação de sessenta minutos da fala de 4 informantes (2 do sexo feminino e 2 do sexo masculino), na faixa etária entre 10 a 20 anos, perfazendo um total de 96 informantes. Mas para este projeto, estamos trabalhando com a amostra da fala de 24 informantes.

Para as gravações está sendo utilizado um sistema de entrevistas “não estruturadas” que favorece um contato mais formal entre entrevistador e informante, possibilitando um discurso mais contínuo. Quanto ao estabelecimento das variáveis, utilizamos as mesmas do projeto-núcleo. Consideramos os seguintes fatores: nível de escolaridade, natureza da escola (pública e privada) e sexo.

Para a pesquisa, selecionamos 24 entrevistas já transcritas e correspondentes a amostra da fala de 24 informantes distribuídos por escola pública e particular e por série (4º, 8º, e 3º ano) e por sexo (de cada série um casal). Fizemos a leitura de cada corpus e extraímos as ocorrências verbais no pretérito perfeito e imperfeito do indicativo. Quantificamos as ocorrências e obtivemos um total de 2.771 formas verbais no pretérito perfeito e 1.331 no pretérito imperfeito. Após o levantamento das ocorrências demos início à análise dos dados tendo em vista os usos semânticos de categoria de tempo e aspecto. Para as análises estabelecemos também a correlação entre os usos lingüísticos dos respectivos tempos em análise e as variáveis sociais – grau de escolaridade, natureza da escola e sexo.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em português o tempo passado subdivide-se em pretérito perfeito, imperfeito e mais que perfeito. O pretérito perfeito situa o fato num intervalo de tempo anterior ao momento da enunciação (Maria viajou para Lisboa), o pretérito imperfeito situa o fato em um intervalo de tempo simultâneo ao passado ou anterior ao futuro (Maria costurava para as amigas; Maria saberá que seu filho estava na casa de um amigo), e o pretérito mais que perfeito situa o fato em um intervalo de tempo anterior ao passado (Maria nos informou que entregara a encomenda ao porteiro).Como resultados do projeto, podemos mostrar a quantificação das ocorrências de uso do pretérito perfeito e imperfeito levantadas com 24 alunos das 4º e 8º séries do ensino fundamental e 3º do ensino médio de escolas das redes pública e privada.





Esta tabela contém os resultados gerais do número de ocorrências dos pretéritos perfeito e imperfeito do indicativo, considerando a série e a natureza da escola. A análise desses verbos quanto ao gênero textual, à expressão temporal e à aspectualidade permitiu a elaboração de uma tabela descritiva dos usos do pretérito perfeito e imperfeito no português falado por teresinenses, na qual podemos visualizar os resultados quantitativos desta pesquisa.



GÊNEROS TEXTUAIS

Estão divididos em: expositivo informativo, narrativo, descritivo, expositivo opinativo e injuntivo, considerados a partir do conceito e divisão retirados de Koch (1996), mas os quatro últimos são propostos por Travaglia.

O que viemos a chamar de expositivo informativo não é proposto pelo autor, mas, como se percebe pela tabela, é um gênero muito presente nas situações de comunicação oral. Ele se refere a fatos, seqüenciados ou não, que não chegam a constituir uma história apontando para possibilidade de uma narração não história.

qual foi o último filme que você assistiu?
1.E. Pri. M. 3º F. olha o último filme que eu assisti foi com a mamãe dia das mães deixa eu me lembrar qual foi X-MAN... foi com ela que eu assisti esse filme por sinal muito bom gostei muito

além da academia... tu pratica algum esporte?
2. E. Pri. J. 3° F. não eu fazia natação mas pa// eu parei por causa do colégio aí eu to fazendo só academia mermo

você lembra como foi? o que ele fez? ( briga com o amigo)
3. E. Pub. L. 4ª M. a gente tava brincando né aí era eu e ele com ôtra irmã dele e uma prima deles aí era minha vez de jogar a bola aí ele pegou aí ele empurrou a bola pro campo delas aí eu larguei a mão nas costa dele (...)

existe alguém assim que você admira e por que essa admiração?
4. E. Pri. B. 4ª M. (...) gosto muito de da área da ciência Albert Einstein e aquele cientista que agora eu esqueci o nome que descobriu a teoria dos homens do macaco evoluiu humano agora esqueci o nome... Charles eu admiro muito ele (...)

Observamos que nestas amostras da fala, os verbos marcados indicam, simplesmente, alguma informação, seja em relação ao próprio falante ou ao que ele está dizendo. Verbos classificados nesse gênero podem ser usados para responder objetivamente uma pergunta, como nos exemplos 1 e 2; podem servir de apoio aos eventos de uma narração como exemplifica o trecho 3, em que o falante, antes de começar a contar a briga com o amigo, contextualiza a mesma para informar ao entrevistador as circunstâncias nas quais ela aconteceu. No último exemplo, o entrevistado informa algo sobre si próprio que ocorre no momento da fala “um esquecimento” e ainda marcamos o expositivo informativo em dois verbos referentes a fatos históricos citados superficialmente, sem constituir uma narração. Note que a retirada de um desses verbos, ainda que cause estranheza, não é capaz de comprometer a compreensão da mensagem.

A narração não é só um “contar um fato”. Para que ela exista efetivamente é necessária a existência de uma seqüência cronológica, um encadeamento de eventos. Podemos compreender isso retornando ao exemplo 3 e observando a continuação do relato da briga entre o informante e seu amigo.

(3). a gente tava brincando né do queima aí era eu e ele com outra irmã dele e uma prima deles aí era minha vez de jogar a bola aí pegou aí empurrou a bola pro campo delas aí eu larguei a mão nas costa dele... aí a mãe dele viu né aí eu saí assim com raiva e passei um mês sem ir na casa dele... aí depois ele pediu pra que eu fosse lá aí eu fui

Vimos anteriormente que os verbos “tava”, “era” e “era” são expositivos informativos e que contextualizam a história propriamente dita, que vem logo em seguida. E observamos que todos os verbos agora marcados estão dentro de uma seqüência lógica e cronológica, sendo que a retirada de um deles, certamente, mudaria a compreensão da história, pois indicam eventos que não podem ser suprimidos.

Uma característica muito importante da narração e que pode ser vista ainda no exemplo 3 é a predominância do pretérito perfeito de indicativo em relação ao pretérito imperfeito. Travaglia, na Gramática do português falado, diz que Hopper explica essa diferença. Hopper afirma que, em qualquer situação de fala, algumas partes do que é dito são mais relevantes do que outras. A parte do discurso que corresponde aos pontos principais (a complicação) é chamada de figura ou 1º plano (foreground). O 1º plano é dinâmico, ativo e forma a linha principal da narração. Em nossa pesquisa percebemos que a maior parte dos eventos que constituem o núcleo da narrativa, a complicação, são verbalizados na forma de pretérito perfeito, que sinalizam fatos passados com relação ao momento da fala, todos como efetivamente ocorridos, acabados, cronologicamente ordenados uns em relação aos outros.

A outra parte do discurso corresponde ao fundo ou 2ª plano (background) e não contribui imediato e decisivamente para os objetivos do falante, mas que meramente os amplifica, especifica ou comenta. O 2º plano é o material de suporte para os eventos narrados em 1º plano. Neste trabalho o pretérito imperfeito foi considerado em grande parte o componente do 2º plano. Ele é o pano de fundo para os acontecimentos relatados, acontecendo no mesmo momento que os eventos do 1º plano. Esta constatação é válida para todos os gêneros textuais. No trecho abaixo os verbos que contam a complicação da história estão sublinhados, enquanto os que compõem o pano de fundo da mesma estão em itálico.

conta uma historinha pra eu lembrar minha infância
5. E. Pri. T. 4ª F. ô a Rapunzel ela é... tinha um casal né aí o nome da mulher era Raquel e do homem era João aí né eles moravam numa casa que ao lado tinha uma bruxa que morava lá aí a mulher viu os rabanetes lá no quintal da casa da bruxa aí ela disse que ficou com o maior desejo de comer rabanetes aí o marido foi pegar pra ela aí a bruxa apareceu bem na hora e disse que deixa o João levar os rabanetes mas quando a filha deles nascesse ela ia levar pra bem longe e eles nunca mais iam conhecer ela aí a bruxa levou né pra um castelo ela cresceu lá o cabelo dela ficou grande ela fazia um monte de tranças (...)

Os verbos em pretérito imperfeito estão marcando a existência de um casal e uma bruxa, informando os nomes dos cônjuges, o grau de vizinhança entre os personagens e um comentário sobre o cabelo de Rapunzel. Nenhum deles é determinante para a história; diferentemente das ações expressas em pretérito perfeito, que são o cerne da narração. Há, no entanto, duas formas verbais no pretérito imperfeito que estão dentro do 1º plano, “ia” e “iam”. Isso pode ser explicado pelo fato de que elas não indicam passado e sim futuro do pretérito. A temporalidade verbal dos pretéritos será explicado mais adiante.

Considerando a coluna total da segunda tabela, vemos que o pretérito imperfeito só é predominante no gênero descritivo. A descrição sugere características de alguma coisa em observação e é muito utilizada para dar suporte a narração. O que vai ao encontro de uma das funções do pretérito imperfeito, que é dar informações adicionais, secundárias e que podem ser suprimidas.

tem alguma história que tenha te marcado?
6. E. Pri. L. 8ª F. (...) um livro sobre a história de um garoto de um ex-drogado que se envolveu no mundo das drogas através dos próprios amigos... e ele era um garoto de uma família muito rica (...) ele começou por influência dos amigos por pre//... pressão da turminha e... ele começou duma droga digamos assim leve e foi passando foi passando no final ele tava dependente de... de cocaína e a família dele... mesmo com dinheiro não conseguia tirar ele desse caminho ele foi pra uma clínica de tratamento (...) ele sofreu muito na clínica porque ele tinha solidão... ele era sozinho (...)

As características do personagem são todas feitas em pretéritos imperfeitos, que firmam sua existência amarando-se às formas verbais perfeitas.
Apesar de, na maioria das vezes, a forma imperfeita manter seu caráter secundário, é perfeitamente possível que ela seja usada para narrar uma história verídica.

você acha que o trabalho infantil atrapalha a vida escolar?
7. E. Pub. R. 8ª M. não tendo o horário distribuído (...) é assim que eu fazia lá em casa eu chegava do colégio de manhã e ficava no comércio a mãe ia fazer o almoço ela voltava pro comércio eu ia estudar de uma às três e das três em diante eu ficava no comércio

Nesta narração, toda construída com o pretérito imperfeito, todos os verbos (exceto “fazia”) são de 1º plano e remetem a uma habitualidade dessas ações no passado. Mas esta é realmente uma construção rara no “corpora” analisado.
O gênero expositivo opinativo refere-se a um conjunto de idéias a respeito do que está sendo observado.

o que você ta achando desses primeiros cem dias de governo?
8. E. Pub. L. 3º F. eu tô achando melhor do que o presidente FHC fazia porque o presidente Lula ele ta trabalhando muito aqui na área nacional enquanto o FHC trabalhava mais internacionalmente (...) já o Lula né já veio pra cá pro Piauí já fez muita coisa eu acho que ta sendo um dos melhores presidentes

quem é Deus para você?
9. E. Pri. L. 8ª F. (...) eu vejo aquela história que Deus existiu que foi crucificado que ele ressuscitou ao terceiro dia aquilo ali pra mim não existe num teve até mesmo por comprovação científicas que existem aquilo alí pra mim não teve (...) num teve um Deus.. Deus nunca foi assim a Maria nunca teve Deus sem o ato do sexo com outro homem (...)

qual é análise que você faz daqueles atentados do onze de setembro?
10. E. pub. R. 8ª. M. achei bem feito porque além deles quererem mandar eles nunca souberam o que é terror de verdade numa guerra

Nas 3 amostras temos a ocorrência de orações dissertativas. São orações dentro do discurso que emitem alguma opinião.

Outro gênero encontrado na comunicação oral é o injuntivo, que sugere uma ação requerida, desejada, incita a realização de uma ação, dizendo o que e/ou como fazer.

Como é que você ta vendo a televisão hoje?
11. E. Pri. R. 8ª F. ói já foi melhor... minha gente programa sensacionalista é o que mais existe (...) e o pió... tem audiência (...) pra mudar essa situação o povo devia deixar de assistir isso buscar programas culturais (...)

como você vê a respeito do idoso hoje no Brasil?
12. E. Pri. R. 8ª F. nossa é um absurdo eu fico indignada com essa situação (...) atualmente o idoso ele ta sendo muito maltratado e:: devia ter... uma vi// é uma reflexão sobre isso os idosos eu acho que deviam ser... mais respeitados (...)

se tu fosse Deus quê que tu faria pra melhorar o mundo?
13. E. Pri. V. 4ª M. eu acabaria com as guerras todos os mísseis que fosse feito eu mandava uma chuva mandava um raio pra cada míssel (...)

se o seu marido impusesse a condição de que você teria que ser a mulher da casa? como você reagiria? trocaria seu sonho por sua liberdade?
14. E. Pub. L. 3º F. eu procurava outra pessoa olha tem tanta gente aí no mundo tem tanto homem pensando nem todos pensam o mesmo que ele (...) eu procuraria outra pessoa eu ia procurar outra pessoa ia me apaixonar por outra pessoa ia gostar de outra pessoa (...)

Os verbos marcados nos exemplos 11 e 12 dão uma sugestão sobre o que se deve fazer para resolver alguns problemas sociais, enquanto nos outros dois trechos os informantes respondem como agiriam diante das situações hipotéticas postas pelos entrevistadores. Uma característica importante sobre esse gênero é que injunção só ocorre na forma verbal de pretérito imperfeito.

O mais curioso é perceber o paradoxo que se constrói no gênero injuntivo ao se utilizar um verbo que remete ao passado para falar de algo que deve ser feito agora ou no futuro. Buscando a resposta para essa questão, concluímos que nem sempre o uso do pretérito situa o fato num intervalo de tempo anterior ao momento da enunciação ou em um intervalo de tempo simultâneo ao passado.

EXPRESSÃO DO TEMPO

As análises mostraram que as formas verbais no pretérito podem remeter-se ao futuro, ao presente ou mesmo não indicar tempo. Na injunção o verbo nunca revela uma ação no passado, pois essa forma verbal no pretérito imperfeito é uma alternativa do falante para expressar o futuro do pretérito.

Nos exemplos 11 e 12 a informante utiliza o verbo “devia” no pretérito imperfeito para incitar uma ação que não “devia” se realizar no passado, mas que deve se concretizar nos dias de hoje. Ela deseja que isso aconteça, esse desejo existe no momento da fala, no entanto, segundo Bechara, é um desejo incerto de execução, não há segurança em sua efetivação, o que causa o uso da forma imperfeita.

o que você quer ser quando crescer?
15. E. Pub. FO. 4ª F. eu preferia... eu preferia ser... aeromoça que era o meu sonho

Ao ser questionada sobre o que quer ser (presente) quando crescer (futuro), a informante responde com o imperfeito (passado) que tem o sonho (presente) de ser aeromoça. Por não confiar muito nessa possibilidade ela expressa esse desejo através do imperfeito.

tu gosta de entrar no tem fantasma?
16.E. Pub. J. 4ª F. gosto eu também queria andar no ranger mas minha mãe não deixa aquele

e sobre a questão do idoso no Brasil?
17. E. Pri. WF 8ª M. (...) o governo devia tomar alguma providência... juntamente com a sociedade... a população... pra ver se tinham como resolver esse problema (...) o idoso é uma pessoa como gente (...)

Além de indicar o presente, o pretérito imperfeito também pode marcar a idéia de futuridade. Essa ação futura é condicionada a uma situação hipotética ou de difícil execução no momento. Tomando assim as características do futuro do pretérito. É o que ocorre nos exemplos 13 e 14 e ainda no exemplo 5 com os verbos “ia” e “iam” já destacados.

Comparemos no trecho 13 o verbo “acabaria” contrastando com o verbo “mandava”, que é, semanticamente, futuro do pretérito. isso confirma que o falante possui alternativas para esse uso e geralmente recorre à forma do pretérito imperfeito por livre escolha.

Em relação ao pretérito perfeito, só foram encontrados dois exemplos dessa forma se remetendo ao futuro com o mesmo verbo.

e você acha que essa lei que legalizou o aborto no caso de estupro ou de má formação do feto você acha correta essa lei?
18. E. Pub. G. 8ª F. (...) vamos dizer que eu conheço uma pessoa que é estuprada pelo próprio pai... aí fica grávida (...) aí vamos dizer que tem o filho ela vai ficar com certeza vai vim depressão por causa daquilo (...)

você acha que o Brasil tem estrutura para implantar este projeto? (pena de morte) por quê?
19. E. Pub. R. 8ª M. não a situação é muito precária ia ter mais assassinato o pessoal ia se relutar contra isso aí digamos a maioria é traficante... ia vim traficante da Argentina da Colômbia (...)

O verbo “vim” está claramente colocado no lugar do futuro do subjuntivo “vir”, mas sua ocorrência não foi expressiva nos dados observados o que inibe uma conclusão sobre esta questão.

Outro ponto revelado pelas analises sobre a temporalidade dos pretéritos do indicativo é que nem sempre eles indicam tempo. Apesar de serem tempo verbais, podem ser usados para:
· Criar um mundo de faz de conta
me conta a historinha da Bela e a Fera eu não conheço
19. E. Pri. G. 4ª F. ah eu prefiro contar da Cinderela... tinha uma meninazinha que sua mãe faleceu e seu pai se casou com... eh com outra mulher (...)

Esta é uma adaptação do conhecido “Era uma vez...” em que o pretérito imperfeito não marca tempo passado, mas inicia uma historia.
· Apontar para algo ou alguém
tem alguma história que tu pode contar pra gente?
20. E. Pub. L. 8ª F. chamou muita atenção foi Marcelinho Pão e Vinho... a historia de um garoto que levava... é... comida pão e vinho para Jesus (...)

A informante não pretende apontar para o passado com o verbo “foi”, essa carga de temporalidade já está presente em “chamou”. O verbo marcado simplesmente aponta o nome do livro, que poderia até mesmo ser antecedido pela forma verbal presente do indicativo, já que seu nome continua o mesmo.

Constatamos, assim, que a semanticidade verbal ultrapassa a expressão temporal, confirmando a ausência de correspondência biunívica entre os recursos expressivos e os conteúdos expressos, como ressalta Ilari (1997).


ASPECTUALIDADE

Um ponto chave das diferenças de uso do pretérito perfeito e imperfeito é a aspectualidade. Aspecto é a indicação da duração do processo, de sua estrutura temporal interna. Assim, alguns teóricos consideram que o pretérito perfeito marca o aspecto pontual, enquanto o imperfeito marca o aspecto durativo.

O aspecto pontual é caracterizado por apresentar a situação como pontual, ou seja, como não tendo duração. Sabemos que toda situação tem duração, mas, lingüisticamente, a duração só é considerada quando é expressiva. Travaglia (1985) considera, porém, que o pretérito perfeito não marca a pontualidade, o que ocorre é uma abstração da duração porque esse tempo sempre se apresenta como concluso (perfectividade). Essa característica só aconteceria em casos estritamente pontuais como:

onde você nasceu?
21. E. Pri. T. 4ª F. eu nasci na maternidade Evangelina Rosa (...)

Este é um pretérito perfeito considerado pontual, pois a ação de nascer se dá em um único momento. O que percebemos claramente não ocorrer com:

me conta a historinha da Bela e a Fera eu não conheço
22. E. Pri. G. 4ª F. (...) ela foi feliz ao baile e o príncipe a escolheu pra dançar... eh dançou dançou dançou dançou e deu meia noite ela saiu correndo

Apesar de termos um pretérito perfeito, ele não marca pontualidade, mas sim o aspecto durativo, pois está evidente, pela fala da informante, que a moça dançou muito, isto é, durante um longo intervalo de tempo. Em um outro trecho deste exemplo encontramos:

(...) haveria um baile e o príncipe ia escolher sua noiva... eh Cinderela queria ir mas sua madrasta disse que ela não iria antes de limpar toda a casa... ela limpou eh enquanto seus amigos pássaros ratos faziam um belo vestido para ela (...)

O verbo “limpou” está no pretérito perfeito e por sua perfectividade poderia ser analisado como pontual, mas se observarmos o contexto no qual ele está inserido, a conclusão será diferente. Limpar a casa toda sem dúvida consome um tempo expressivo, ainda que a casa seja pequena e este tempo prolongado é reforçado por outro verbo que implica também em uma tarefa que demanda tempo, fazer um vestido. Enquanto o vestido era feito, a casa era limpa.

O aspecto durativo é caracterizado por apresentar a situação como tendo duração contínua limitada. Travaglia (1985) diz que Bechara afirma que o pretérito imperfeito do indicativo é o tempo da ação prolongada e que Cunha o diferencia do pretérito perfeito por exprimir uma ação durativa. De fato a maior parte dos pretéritos imperfeitos marcam o aspecto durativo, pois a maior parte deles são verbos de processo ou estado.

você já esteve doente alguma vez?
23. E. Pri. G. 4ª F. já semana passada eu tava com dengue

Estar doente não é algo pontual, toda doença demora um tempo expressivo para ser extinguida. Porém, no exemplo abaixo o pretérito imperfeito supõe uma ação pontual.

e da escola o que você acha?
24. E. Pri. T. 4ª F. (...) a professora Kátia e o professor Nunes são muito especiais para mim já a professora antiga ela gritava eu não gostava muito dela não

Gritar é uma ação que se dá em um único momento, é fisiologicamente impossível alguém passar cinco minutos dando um único grito, mas pode-se, neste intervalo de tempo, emitir vários gritos. Portanto, o uso do verbo “gritava” não corresponde à duração e sim à habitualidade. Gritar em sala de aula é uma característica da professora, que poderia estar sempre ocorrendo.

Concluímos, assim que o estudo da aspectualidade verbal vai além das questões da perfectividade ou imperfectividade e ultrapassa os conceitos de verbos de evento, processo ou estado. É uma análise que se dá no âmbito semântico de cada verbo, considerando o contexto em que ele está inserido e, principalmente, a intenção da mensagem expressa pelo falante.



LEITURAS COMENTADAS

De Rodrigo et alii (1996) retiramos a tipologia proposta por Travaglia para a divisão textual, já citada em Resultados e Discussões com seus respectivos conceitos. Os textos são divididos em narração, descrição, injunção e dissertação, a qual denominamos expositivo opinativo. O que chamamos de expositivo informativo não é proposto pelo autor, mas cita-se no livro a existência dos verbos que não chegam a constituir uma história, nos quais teríamos uma narração não história. Esse conceito foi então utilizado para essa nova tipologia a fim de evitar possíveis distorções na análise.

Ilari (1997) direciona nossas atenções para a semanticidade verbal ao indicar a falta de correspondência biunívoca entre o tempo morfológico e o tempo semântico, observando que o pretérito imperfeito indica muito mais que passado, como já foi explicado anteriormente, e que o pretérito perfeito pode emitir situações durativas. O autor divide ainda a idéia de duração em processos duráveis que significam “tempo gasto”, “tempo empregado” (Levou 15 minutos para achar a chave) e processos duráveis que significam “tempo escoado” (Saiam um minuto da sala).

Travaglia (1985) destaca que o pretérito perfeito não apresenta a situação como pontual, uma vez que toda ação tem uma duração interna. O autor explica que o pretérito perfeito só é considerado pontual porque sua natureza perfectiva omite a duração. Porém, ele exemplifica como aspecto pontual verbos de situações estritamente pontuais (Paulo arrebentou o cordão sem dificuldade).

Interessa-nos observar a caracterização feita por Travaglia do aspecto durativo no pretérito perfeito, que surge quando “a duração é marcada por um adjunto adverbial temporal (Ele ensaiou esta música durante o dia todo; Ele leu o artigo enquanto esperava sua vez no dentista)”. Também quando há repetição do verbo (Marta aprontou-se, aprontou-se e depois resolveu não sair mais) , iteratividade (Ele falou comigo várias vezes) e habitualidade (Aquele menino sempre desobedeceu aos pais). Ainda sobre esse assunto, Ilari destaca que muito dessa aspectualidade durativa no pretérito perfeito é regida pela presença de advérbios que localizam os eventos. Bechara (2001) acrescentou à nossa visão a possibilidade de tratar o imperfeito como indicação de um desejo presente e incerto de execução e por marcar, semanticamente, uma futuridade condicionada a uma ação hipotética ou de difícil execução no momento.


PARECER DA ORIENTADORA SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO ALUNO E SOBRE O RELATÓRIO



A bolsista Lea Mara desenvolveu o projeto Os Usos do Pretérito Perfeito e Imperfeito do Indicativo no Português Falado por Teresinenses com bastante seriedade, mostrando uma sensibilidade acadêmica para a pesquisa. Demonstrou essa seriedade no levantamento dos dados, nas leituras e nas observações relativas aos dados levantados.

Tendo em vista seu desempenho nas atividades do projeto, refletido positivamente na elaboração do relatório, posso atestar que a aluna tem correspondeu aos objetivos do programa.

Maria Auxiliadora Ferreira Lima
Orientadora do Projeto


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BECHARA, Evanildo. Moderna gramática da língua portuguesa.Rio de Janeiro: Lucena, 2001.

CERVONI, Jean. A enunciação. São Paulo: Ática, 1989.

ILARI, Rodolfo. A expressão do tempo em português. São Paulo: EDUC/Contexto, 1997.

RODRIGUES, Ângela C. S.; CAMPOS, Odette G.L.A.S.; GALEMBEK, Paulo de T.; TRAVAGLIA, Luís C. Formas de pretérito perfeito e imperfeito do indicativo no plano textual discursivo. In: KOCH, Ingedore G. Villaça (Org.). Gramática do português falado. Vol. VI. Campinas: FAPESP, 1996.

TRAVAGLIA, Luís Carlos. O aspecto verbal no português. Uberlândia: EDUFU, 1985.

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